O assédio moral não é um fenômeno novo. No Brasil, o tema passou a ser discutido com seriedade há pouco tempo quando em Agosto de 2000 foi publicado o livro da psicanalista francesa Marie France Hirigoyen, “Assédio Moral – A violência perversa no cotidiano”, editora Bertrand e em 25/11/2000 saiu uma matéria na Folha de São Paulo (coluna de Mônica Bergamo).
A partir de então, o assunto tem sido objeto de discussão tanto na mídia como nas universidades brasileiras. Além disto, existem vários projetos de lei (alguns até já aprovados) em diversos municípios brasileiros sobre este problema.
A destruição moral sempre existiu, seja nas famílias, nos casais, no ambiente social ou profissional. Trata-se de uma agressão à identidade do outro, feita por quem tem algum tipo de poder e/ou autoridade sobre ele, agressão sutil, que não deixa evidências. Nada é ostensivo, são apenas subentendidos, pequenos toques, alusões maldosas, difíceis de serem notadas, mas que vão gradativamente desestabilizando o sujeito.
Quando a vítima tenta relatar o que acontece, tem a sensação de não saber explicar bem e de não ser compreendida. Como se defender e descrever um olhar carregado de ódio, como relatar subentendidos e silêncios? Acuada e paralisada, a vítima chega a duvidar de sua percepção. “Será que estou vendo coisas, exagerando?”
Ao longo da vida temos encontros que nos estimulam a dar o melhor de nós mesmos e outros que nos minam e podem acabar nos aniquilando. Um indivíduo pode destruir o outro por um processo contínuo de desestabilização, sem que suje as mãos nem derrame uma gota de sangue.
A perversão causa um grande estrago nas famílias, destruindo laços e anulando individualidades. É a criança que não se sente amada como ela é e que passa a vida tentando agradar os pais, sem nunca conseguir. Ela é rejeitada inconscientemente por um deles, que precisa “neutralizá-la” para se preservar. Ninguém mais, a não ser a vítima consegue perceber isso, mas a destruição é real. A criança é infeliz, mas não tem objetivamente do que se queixar. Ela é anulada psiquicamente e perde toda a consciência de seu próprio valor.
Nos casais, um indivíduo narcisista impõe seu domínio sobre o outro para controlá-lo, mantendo-o numa relação de dependência ou mesmo de propriedade, para comprovar sua própria onipotência. O parceiro vai sendo lentamente destruído interiormente e, mergulhado na dúvida e na culpa, não consegue reagir.
Nas relações de trabalho, é do encontro do desejo de poder com a perversidade que nasce a violência e a perseguição. É o funcionário manipulado pelo chefe que detém o poder e contra o qual ele não pode se rebelar. Entre os colegas, o assédio geralmente nasce por um sentimento de inveja por uma qualidade da vítima ou por sua capacidade de desejar e usufruir o prazer da vida.
De seu vazio subjetivo o perverso odeia a “felicidade” do outro, porque esta lhe faz muito mal. E tenta se apropriar de sua vida ou de um traço seu, ou destruí-lo com fofocas, comentários maldosos e calúnias.
O perverso não utiliza a comunicação direta. Sua mensagem é deliberadamente vaga e imprecisa, ele não conclui as frases, o que dá margem a mal-entendidos que serão posteriormente explorados em proveito próprio. Seu discurso é paradoxal – composto de uma mensagem explícita e de um subentendido, que ele nega existir. Ao “falar sem dizer” ele confunde o interlocutor e manipula as situações. Desqualifica, isola, induz ao erro. E tem uma intuição bastante forte para atingir os pontos frágeis do outro.
Suas vítimas costumam ser pessoas sem muita consciência de seu próprio valor, perfeccionistas e conscienciosas, com uma propensão natural a culpar-se. Pessoas vulneráveis ao juízo do outro, às suas críticas, mesmo que infundadas. O perverso percebendo isso tem o maior prazer em implantar a dúvida em sua vítima: “Será que não fui eu mesmo, inconscientemente culpada daquilo que me acusam?” Esta pode até parecer ingênua e chega a duvidar das próprias percepções, pois fica difícil para ela acreditar na manipulação maldosa.
A reação da vítima suscita o ódio do perverso. E ele a leva a agir contra ele para que esta pareça responsável pelo que acontece. Para um observador externo, toda ação impulsiva, sobretudo se violenta, é considerada patológica. E assim, para os que olham de fora a vítima parece ser a agressora.
Nas famílias, a ameaça de ruptura do vínculo perverso suscita fortes reações por causa dos vínculos inconscientes. Chantagens emocionais são comuns. A vítima deve permanecer no sistema familiar para lhe dar equilíbrio. O boicote à ruptura se dá pelo medo da desestruturação.
No casal, a ameaça de ruptura atua de forma semelhante e a chantagem e a pressão se exercem também através dos filhos e das verdadeiras guerras que se travam por ocasião dos procedimentos do divórcio relativos aos bens materiais.
No meio profissional, não é raro que um processo seja movido contra a vítima, que será sempre culpada de tudo. O agressor se queixa de estar sendo lesado, quando na realidade é a vítima que está perdendo tudo.
A psicoterapia pode tratar a vítima de assédio moral, ajudando-a a tomar consciência da agressão que sofre, a parar de ter medo e a sentir a raiva necessária para reagir. E principalmente deve levá-la a perceber o que dentro dela e na sua história a tornou cúmplice do agressor perverso.
Hoje infelizmente assistimos à banalização e institucionalização da perversidade: pequenos atos perversos passaram a ser tão corriqueiros que parecem normais”, comenta Marie-France. E o “perverso narcisista”, em sua frieza racional, parece completamente adaptado à sociedade. “Mas, para onde foram os limites da nossa tolerância?”
A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida das pessoas comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, além de ocasionar graves danos à saúde física e mental. O assédio moral constitui um risco invisível, porém concreto. Mais uma das manifestações nefastas da violência humana.
Bibliografia utilizada:
Hirigoyen, Marie-France: Assédio Moral, A violência perversa no cotidiano, Ed. Bertrand Brasil, 12ª.edição, Rio de Janeiro, 2010