A relação do sujeito contemporâneo com o tempo

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Parece incrível! Conquistamos uma vida mais longa, porém temos menos possibilidades de aproveitá-la…

A tecnologia está aí para nos servir, mas somos nós que servimos a ela, nas suas apressadas e múltiplas solicitações simultâneas…

De novo Dezembro. Mais um ano se passou. Como o tempo voa! É Natal novamente! Estas são frases que escutamos todos os dias, especialmente nesta época do ano em que as festas se aproximam. E a maioria de nós tem tido a impressão de que o tempo está passando mesmo mais depressa, como se escorresse pelas nossas mãos!

Mas afinal o que é que está acontecendo? São muitos os palpites, as especulações. Cada um tem uma explicação diferente. Há quem diga que é uma questão da Física. Mas a preocupação com essa questão é antiga. Há muitas décadas filósofos e pensadores como Walter Benjamim e Henri Bergson vem estudando a relação do homem com o tempo.

Benjamim lamenta a perda do valor da experiência e da narrativa nas sociedades industriais pela forma como elas se organizam e utilizam o tempo. Como sabemos, a utilização do tempo é determinado pelas transformações na cultura. Bergson, por sua vez, aborda o tempo não como a ciência o apreende (visão quantitativa, o tempo do relógio), mas como ele é vivido pela nossa consciência (visão qualitativa, a experiência subjetiva do tempo). Hoje o mundo capitalista globalizado nos propõe a imersão na experiência da velocidade.

Premidos por um sentimento de urgência, numa seqüência aparentemente infinita de tarefas a serem cumpridas cotidianamente, os sujeitos contemporâneos se exaurem e se angustiam, numa vida que mais parece uma somatória de instantes velozes que passam sem deixar marcas significativas.

Na sociedade globalizada contemporânea tempo é dinheiro. Na compulsão incansável de produzir resultados os sujeitos vivenciam um eterno presente (que aliás se torna facilmente descartável) e o sentimento de continuidade e encadeamento entre passado, presente e futuro se perde. Entre percepções fugazes, falta tempo de compreender. Falta tempo de concluir. E aí algo se perde do valor da vida. E resta a incômoda sensação de estar se precipitando num vazio em direção à velhice e à morte.

Em 1995 o sociólogo italiano Domenico de Masi criticava em “O ócio criativo” a forma tradicional de organização do trabalho, propondo a valorização de uma vida equilibrada, na qual o sujeito deveria ser capaz de mesclar atividades, como o trabalho, o tempo livre e o estudo, considerando a experiência do tempo ocioso como fundamental para a criatividade humana. “Talvez seja necessário recuperar a lembrança das tardes de tédio, daquelas que só acontecem na infância, para entender o que ocorre com o psiquismo em estado de abandono, na ausência de estímulos que solicitem o trabalho do sistema percepção-consciência.” *

É importante lembrar que a trama da nossa vida é tecida no tempo que dispomos para viver. E que a utilização desse tempo é de nossa inteira responsabilidade. Quem sabe em 2012 devêssemos buscar o tempo distendido que se situa fora do avassalador presente comprimido da temporalidade contemporânea. Tempo humanizado – repleto de vivências significativas. Tempo sem pressa, no qual seja possível escrever histórias e inscrever sujeitos.

Bibliografia:

– Kehl, Maria Rita – O tempo e o cão, Boitempo Editorial, São Paulo, 1a.edição, 2009.

– Bergson, Henri – Duração e simultaneidade, Martins Fontes, 1a.edição, 2006, São Paulo.

– Missac, Pierre – Passagem de Walter Benjamim, Iluminuras, São Paulo.

– De Masi, Domenico – O ócio criativo, Sextante, Rio de Janeiro,2000.

* in Kehl, Maria Rita – página 142

Assédio Moral, a violência perversa no cotidiano

Assédio

O assédio moral não é um fenômeno novo. No Brasil, o tema passou a ser discutido com seriedade há pouco tempo quando em Agosto de 2000 foi publicado o livro da psicanalista francesa Marie France Hirigoyen, “Assédio Moral – A violência perversa no cotidiano”, editora Bertrand e em 25/11/2000 saiu uma matéria na Folha de São Paulo (coluna de Mônica Bergamo).

A partir de então, o assunto tem sido objeto de discussão tanto na mídia como nas universidades brasileiras. Além disto, existem vários projetos de lei (alguns até já aprovados) em diversos municípios brasileiros sobre este problema.

A destruição moral sempre existiu, seja nas famílias, nos casais, no ambiente social ou profissional. Trata-se de uma agressão à identidade do outro, feita por quem tem algum tipo de poder e/ou autoridade sobre ele, agressão sutil, que não deixa evidências. Nada é ostensivo, são apenas subentendidos, pequenos toques, alusões maldosas, difíceis de serem notadas, mas que vão gradativamente desestabilizando o sujeito.

Quando a vítima tenta relatar o que acontece, tem a sensação de não saber explicar bem e de não ser compreendida. Como se defender e descrever um olhar carregado de ódio, como relatar subentendidos e silêncios? Acuada e paralisada, a vítima chega a duvidar de sua percepção. “Será que estou vendo coisas, exagerando?”

Ao longo da vida temos encontros que nos estimulam a dar o melhor de nós mesmos e outros que nos minam e podem acabar nos aniquilando. Um indivíduo pode destruir o outro por um processo contínuo de desestabilização, sem que suje as mãos nem derrame uma gota de sangue.

A perversão causa um grande estrago nas famílias, destruindo laços e anulando individualidades. É a criança que não se sente amada como ela é e que passa a vida tentando agradar os pais, sem nunca conseguir. Ela é rejeitada inconscientemente por um deles, que precisa “neutralizá-la” para se preservar. Ninguém mais, a não ser a vítima consegue perceber isso, mas a destruição é real. A criança é infeliz, mas não tem objetivamente do que se queixar. Ela é anulada psiquicamente e perde toda a consciência de seu próprio valor.

Nos casais, um indivíduo narcisista impõe seu domínio sobre o outro para controlá-lo, mantendo-o numa relação de dependência ou mesmo de propriedade, para comprovar sua própria onipotência. O parceiro vai sendo lentamente destruído interiormente e, mergulhado na dúvida e na culpa, não consegue reagir.

Nas relações de trabalho, é do encontro do desejo de poder com a perversidade que nasce a violência e a perseguição. É o funcionário manipulado pelo chefe que detém o poder e contra o qual ele não pode se rebelar. Entre os colegas, o assédio geralmente nasce por um sentimento de inveja por uma qualidade da vítima ou por sua capacidade de desejar e usufruir o prazer da vida.

De seu vazio subjetivo o perverso odeia a “felicidade” do outro, porque esta lhe faz muito mal. E tenta se apropriar de sua vida ou de um traço seu, ou destruí-lo com fofocas, comentários maldosos e calúnias.

O perverso não utiliza a comunicação direta. Sua mensagem é deliberadamente vaga e imprecisa, ele não conclui as frases, o que dá margem a mal-entendidos que serão posteriormente explorados em proveito próprio. Seu discurso é paradoxal – composto de uma mensagem explícita e de um subentendido, que ele nega existir. Ao “falar sem dizer” ele confunde o interlocutor e manipula as situações. Desqualifica, isola, induz ao erro. E tem uma intuição bastante forte para atingir os pontos frágeis do outro.

Suas vítimas costumam ser pessoas sem muita consciência de seu próprio valor, perfeccionistas e conscienciosas, com uma propensão natural a culpar-se. Pessoas vulneráveis ao juízo do outro, às suas críticas, mesmo que infundadas. O perverso percebendo isso tem o maior prazer em implantar a dúvida em sua vítima: “Será que não fui eu mesmo, inconscientemente culpada daquilo que me acusam?” Esta pode até parecer ingênua e chega a duvidar das próprias percepções, pois fica difícil para ela acreditar na manipulação maldosa.

A reação da vítima suscita o ódio do perverso. E ele a leva a agir contra ele para que esta pareça responsável pelo que acontece. Para um observador externo, toda ação impulsiva, sobretudo se violenta, é considerada patológica. E assim, para os que olham de fora a vítima parece ser a agressora.

Nas famílias, a ameaça de ruptura do vínculo perverso suscita fortes reações por causa dos vínculos inconscientes. Chantagens emocionais são comuns. A vítima deve permanecer no sistema familiar para lhe dar equilíbrio. O boicote à ruptura se dá pelo medo da desestruturação.

No casal, a ameaça de ruptura atua de forma semelhante e a chantagem e a pressão se exercem também através dos filhos e das verdadeiras guerras que se travam por ocasião dos procedimentos do divórcio relativos aos bens materiais.

No meio profissional, não é raro que um processo seja movido contra a vítima, que será sempre culpada de tudo. O agressor se queixa de estar sendo lesado, quando na realidade é a vítima que está perdendo tudo.

A psicoterapia pode tratar a vítima de assédio moral, ajudando-a a tomar consciência da agressão que sofre, a parar de ter medo e a sentir a raiva necessária para reagir. E principalmente deve levá-la a perceber o que dentro dela e na sua história a tornou cúmplice do agressor perverso.

Hoje infelizmente assistimos à banalização e institucionalização da perversidade: pequenos atos perversos passaram a ser tão corriqueiros que parecem normais”, comenta Marie-France. E o “perverso narcisista”, em sua frieza racional, parece completamente adaptado à sociedade. “Mas, para onde foram os limites da nossa tolerância?”

A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida das pessoas comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, além de ocasionar graves danos à saúde física e mental. O assédio moral constitui um risco invisível, porém concreto. Mais uma das manifestações nefastas da violência humana.

Bibliografia utilizada:

Hirigoyen, Marie-France: Assédio Moral, A violência perversa no cotidiano, Ed. Bertrand Brasil, 12ª.edição, Rio de Janeiro, 2010

A construção da feminilidade e o contexto histórico

 

architecture-bay-blonde-196667 (1)A Cultura produz discursos. E o ser humano, seja ele homem ou mulher, está imerso na Cultura. Quando nascemos, já existe um discurso que pré-existe ao nosso nascimento. Portanto, nascemos mergulhados num universo simbólico que nos situa, nos dá um lugar, de acordo com os valores vigentes de uma dada sociedade, suas crenças. Assim, todos os sujeitos estão inscritos de uma forma específica, num determinado momento histórico. E cada momento histórico vai definir, ao longo do tempo, uma maneira de ser HOMEM ou MULHER.

Nós nos tornamos homens ou mulheres ao longo do percurso de nossa constituição enquanto sujeitos. Assim, a construção da FEMINILIDADE tem a ver não só com as IDENTIFICAÇÕES relacionadas às figuras parentais como também ao contexto cultural.

Vamos examinar o campo onde as mulheres tentam se constituir como sujeitos, para além do desejo de um homem, ou para além do discurso cultural – para além do par maternidade/casamento. Porque vamos observar que “os tais lugares” determinados culturalmente (quase sempre pelo discurso masculino), teriam sempre estado a serviço de “algo mais” – ou seja, teriam sempre servido de sustentáculo a um determinado modo de produção, a uma determinada organização econômica.

Voltando às origens da sociedade burguesa, na segunda metade do século XIX, podemos perceber que havia toda uma produção discursiva e um campo imaginário sobre uma suposta “natureza feminina” eterna e universal. Essa “verdade” colocada definia a mulher. Ser mulher era aquilo, se não fosse assim… não era mulher. A mulher era objeto de um discurso muito consistente, muito bem elaborado, cheio de justificativas, e este discurso era incontestável. Mas aquela era a verdade do discurso de alguns homens e esta verdade sustentava o modo de produção capitalista, que tinha na família seu esteio. A função da mulher era ser esposa e mãe, a Rainha do Lar. Ela “dava força” ao marido, que vivia a grande aventura burguesa.

Mas acontece que as mulheres desejavam também outras coisas, elas também queriam dar uma dimensão heróica à própria vida, construindo o seu próprio destino. A Revolução Francesa (1789) pregara como ideais a Igualdade, Fraternidade e Liberdade. E a burguesia agora dava a cada um a liberdade de criar seu próprio destino, conforme fosse o seu desejo. Havia então nesta época, uma contradição muito grande entre os ideais da Modernidade e o lugar destinado às mulheres pela cultura. Aliás, toda vez que ocorrem mudanças sociais, culturais, há que se produzir novos discursos, novos saberes.

E era isto que estava se colocando para as mulheres naquela época. Mas como as coisas ainda não estavam bem claras, havia um certo mal-estar, um conflito. Algumas poucas mulheres tentavam expandir seu espaço de participação na sociedade, dando vazão aos seus desejos. Escreviam, liam, estudavam, muitas vezes escondidas, publicavam sob pseudônimo masculino. Outras não, não conseguindo expressar o seu mal-estar num mundo mutante, acabavam produzindo “sintomas”, elas adoeciam.

É nesse momento que surge a Psicanálise, em Viena, no final do século XIX. Sigmund Freud, um jovem médico, começou o escutar as suas “histéricas” o que lhe possibilitou descobrir a existência do inconsciente. Os sintomas neuróticos nada mais eram do que “formações de compromisso” entre o retorno do recalcado (o desejo) e as forças da repressão. Tinha havido nesta época um afrouxamento do recalque social. Madame Bovary, de Gustave Flaubert, talvez encarnasse esta mulher que queria mudar de vida, mas que não se deu bem, pois não foi capaz de simbolizar o seu desejo. Fêz inúmeras atuações no real…

Já no século XX há, a meu ver, dois momentos super importantes. O pós-guerra a partir de 1945; e o Feminismo, que já vinha desde a virada do século XIX para o XX com as sufragistas, mas que teve o seu “boom” nos anos 60. A Segunda Grande Guerra havia lançado um enorme contingente de mulheres no mercado de trabalho este fato mudou a fisionomia do Europa e do mundo.

Com relação aos direitos civis e às conquistas sociais, a mulher já vinha conseguindo muitas coisas, mas nos anos 1960 houve uma explosão que trouxe uma grande revolução inclusive dos costumes. O advento da pílula anticoncepcional trouxe “liberdade sexual” para a mulher, que ao entrar no mercado de trabalho foi conquistando independência financeira e se tornou responsável pela própria vida. Simone de Beauvoir publica “O Segundo Sexo”… um marco na discussão das questões relacionadas à feminilidade.

A mulher vai deixando de ser “cúmplice” do discurso machista para começar a escrever sua própria história. Conquista o espaço público, do qual se considerava privada, emblema fálico que antes só pertencia aos homens.

Mas, o quê significa ser mulher hoje?

Nestes últimos 50 anos muitas mudanças ocorreram. Globalização, profundas transformações na economia e na organização social. Avanços tecnológicos que há apenas algumas décadas pareciam ficção científica, hoje fazem parte do nosso cotidiano.
A intensificação do “discurso capitalista” da cultura contemporânea gerou imperativos para homens e mulheres: de consumo, da máxima eficiência, produtividade e lucratividade.

Convivemos também com a força poderosa da mídia que veicula “verdades” incontestáveis sobre a mulher, “idealizações” do que é ser mulher hoje: a profissional 100%, a ditadura do corpo perfeito, relacionamento perfeito, filhos perfeitos. O imaginário da completude.

Nada falta a esta mulher idealizada, a verdadeira encarnação da Mulher Maravilha.

Vivemos na era da imagem, que é vendida e consumida – a sociedade do espetáculo. Novos imperativos vigoram, só que agora uma versão atualizada do antigo modelo do século XIX.

O esforço é enorme para sustentar a imagem! E por quê? Porque a imagem não suporta máculas, um pontinho fora do lugar. Ela tem que ser sustentada a qualquer custo e aí entramos no campo dos impossíveis.

Não somos ingênuos a ponto de não percebermos que por trás de tudo isto existe um mercado que dita as regras. Uma ideologia que se cria e que está a serviço do consumo dando embasamento ao MODO DE PRODUZIR CAPITALISTA. E indivíduos super-exigidos, exaustos, que acabam adoecendo. Nunca se ouviu falar tanto em depressão, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, anorexia, bulimia, obesidade, droga-dicção e alcoolismo, como ultimamente.

O que ocorre é que há um transbordamento, um COLOCAR EM ATO ou no próprio corpo, algo que não pode se expressar em palavras, algo que não encontra caminhos para a simbolização. É um outro tipo de mal-estar.

A meu ver, a mulher conquistou muitas coisas relacionadas ao TER, mas ainda restam questões relacionadas ao SER. Encontrou uma solução imaginária, pois ainda muitas vezes ela se pergunta pela sua identidade.

Ela tenta articular um discurso próprio. Na verdade, em relação à mulher há um saber que nunca pára de se construir.

Bibliografia:

 Kehl, Maria Rita, “Deslocamentos do Feminino”, Imago, Rio de Janeiro, 1998

 André, Serge, “O que quer uma mulher?” Jorge Zahar, Campo Freudiano no Brasil, Rio de Janeiro, 1986

A invenção da Adolescência e a invenção na Adolescência

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A adolescência é uma invenção relativamente recente. É uma instituição historicamente determinada, um fenômeno da Modernidade, que atinge o jovem do Ocidente por ocasião da eclosão da puberdade, quando, por falta de dispositivos sociais em geral presentes nas sociedades pré-modernas ou não ocidentais, a passagem da criança ao jovem adulto se tornou problemática.

A adolescência, longe de ser puramente biológica ou social, é antes o produto do impacto pubertário e a intensificação de exigências sociais sobre o jovem em vias de deixar a infância, sob certas condições de cultura que caracterizam a civilização ocidental hoje.

A Antropologia nos ensina que nas sociedades mais tradicionais ou não ocidentais, a passagem da infância à idade adulta é mais claramente pontuada do que entre nós, algo como uma travessia que se faz de forma gradual e facilitada por práticas sociais, feitas através da iniciação.

Os modelos de iniciação são diferentes de uma sociedade para outra, mas servem à integração social do sujeito no mundo adulto. Ele adquire um nome e aprende aquilo que deve saber sobre os valores da sociedade, dentro da qual seu lugar está reservado. O rito faz imagem, metaforiza a problemática interna do sujeito. A adolescência aí reencontra o seu sentido.

Os judeus possuem uma cerimônia especificamente masculina (bar mitzvah) ou feminina (bat mitzva) para este fim iniciático. Trata-se de uma equiparação do sujeito perante a lei. Ele passa a ser responsabilizado e deverá responder perante a lei por seus atos. Por seu desejo, em compensação, deverá batalhar por sua própria conta e risco.

Na nossa sociedade ocidental o único modelo de passagem da infância ao estatuto adulto que se oferece às crianças é o modelo escolar – e o da imagem midiática – e o adolescente chega à idade adulta sem garantia nenhuma quanto ao seu lugar.

Assim, tornou-se necessário ao jovem adolescer quando desapareceu da vida social a eficácia dos ritos tradicionais, que possibilitavam a conversão do real implicado nos apelos corporais e sociais da puberdade em significante constituinte para o sujeito de sua subjetividade adulta.

Na ausência da eficácia ritual acima referida, o apelo corporal e social atinge o jovem sob a forma do não-simbolizado, isto é, sob a forma do real: aturde-o, sidera-o, produz-lhe estranhamento e o mantém estupefato e mudo. O adolescer é portanto o substituto e o herdeiro da eficácia ritual perdida na modernidade, que surge quando a passagem da criança ao adulto tornou-­se problemática.

Podemos então supor que, como produto da modernidade, a adolescência veio responder à necessidade da subjetividade de produzir em seu interior algo novo, que funcionasse em equivalência com aquilo que desaparecera fora.

O processo da adolescência deve durar o tempo necessário para realizar, na intimidade do sujeito, aquilo que o ritual tradicional, provido da eficácia que ele encontrava na sociedade pré-moderna, podia realizar em um tempo bastante curto.

Adolescer é solicitar uma moratória – é “pedir um tempo” – ao apelo pubertário e social. O trabalho psíquico que é feito na adolescência é do mesmo teor do que ele substitui. O que lá era uma prática social, aqui é uma tarefa solitária, o que lá se dava com tranqüilidade, aqui é feito sob crises e tensão, o que lá estava armado pela tradição, aqui se dará pela invenção.